Publicado  segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

À CRIANÇA QUE SOMOS

Papai Noel passando pela beira-rio,notou que algo estava errado. As árvores estavam secas,a grama amarelada. Olhou para o rio.Fez indiferença.Pensou: “Esteve mais limpo”.  O velho conhecia cada palmo deste chão. Sabia as necessidades da cidade.
Voltando pelas peixarias,que pescam ouro,achou uma cartinha jogada no chão. O cheiro de codorna esta impregnado no papel molhado,com tiras de sal e de cascas espalhadas.
Noel começou a ler:
“Odeio quando saio à rua. Meus pés estão comidos pelos buracos,e de tão surrados,procuram algum jazigo para sobreviver.Isso mesmo:um jazigo para sobreviver. Descalço,nem comando minhas pernas. Elas tremem de frio e de fome. Tento vender ovos de codorna para o pessoal que gosta de sair a noite,mas muitos me tratam como o cachorro do Homer Simpson.Eu insisto,tenho que comer. Eu tento não ser chato,mas o barulho que minha barriga faz,é maior do que o som do carro dos playboys,que de tão tapados que são,preferem lustrar o rodão do carrão ao tentar beijar uma gatinha.Melhor vender ovo do que ser otário. Caminhando contra a correnteza do rio,eu espero mais uma noite cair. Meu pai,um aproveitador barato,bate na mamãe todas as noites. Tenho medo de sair de casa. Mas tenho que colocar comida na mesa,pois de um jeito ou de outro,meus pés precisam me segurar. Quando chego,mamãe está cansada,e me diz que neste Natal,Papai Noel vai me dar um presente. Eu pergunto:” Mamãe,já que ele compra tantos presentes para tanta criança,ele poderia comprar meus ovos de codorna,compraria todos,e nós teríamos uma pequena ceia”. Ela ri e diz:” Meu filho,ele visitará nossas casas,e nos abençoará,pois temos saúde e o futuro te reserva algo muito melhor”. Mas no fim das contas,eu vejo que esse Noel não existe. Olho nas televisões das peixarias,e vejo ele oferecendo lojas,empresas,que ele vai deixar o trenó por um carro,que nem ele daria promoção não sei do que lá...Esse Papai Noel não existe. Domingo passado li no Jornal,na página Extra,que ele agora faz bico e ganha 30 reais para viver,e ainda trata as crianças de uma forma meio rude. Se esse for o Papai Noel que mamãe fala,prefiro vender ovo e ficar longe do saco dele. Pode ter certeza disso.
Mas a minha vida vai melhorar. Eu tenho fé que vai. Vendo bem,dá pra tirar uns 20 reais por noite,às vezes até 50! Juntando alguma coisinha,vou comprar meu caderno,um lápis,e procurar alguma escola. Se esta folha já deu pra escrever até aqui e isso tudo que penso,imagino que com um caderno inteiro e um professor,a minha vida seria bem diferente”.
Papai Noel lia e relia o texto centenas de vezes. Lia e se perguntava: “ Eu realmente existo? Quem sou eu,a não ser um símbolo,uma logomarca colorida?” São tantas crianças com fome,tantos meninos sem educação...Quanta crueldade! De repente,ele sente a barba sendo puxada.
-Vai um ovo aí?
Ele viu quem era. E viu-se na criança.
-E ai tio,vai comprar ou não?
O menino assustado,viu que estava puxando a roupa de um playboy que estava com som na maior altura. Levou um tapa. Afastou-se,e voltou pra casa,para cuidar de sua mãe e imaginar que um dia,pode ter sim,um futuro melhor.

Phelippe Duarte  ( Cuidem das crianças.É como cuidar de nós.Feliz Natal.)

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