Publicado  quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Podem me chamar de
Dom Casmurro. Estou aqui,
no Rio de Janeiro, cético
como meu personagem sugere.
Fisicamente, meus
olhos percebem um sentimento
de que aconteceu.
Sentimentalmente, meus
olhos fechados, observando
a mim, dizem que não, que
nunca houve nada. E que
nunca poderia haver.
Será que Capitu realmente
foi invadida? Existem provas
disso? Chamem Capitu
de Rio de Janeiro. Chamem
do que quiser. Chamem de
Capitu Nascimento.
Dúvida. Esta é a palavra
que me assombra, na invasão
imposta pelo Exército
nas favelas do Rio em Chamas.
Sou o Dom Casmurro.
Cético, duvidoso, sensação
de que tudo isso poderia ter
acontecido antes. Quando
quisessem. Como se Capitu
pudesse, a qualquer instante,
ter feito o que quisesse.
E, mesmo assim, eu não perceberia.
Um Exército inteiro
atiraria em Capitu, condenando-
a, veementemente,
como uma iraniana desesperada
pela cultura do seu país
como uma favela ambiciosa
por liberdade, aos brandos
dos seus inocentes, mas presa
por seus comandantes.
Todos veem Capitu como
se ela representasse todas as
mulheres. Não sabemos o que
elas pensam. Não sabem o
poder de decisão que elas carregam
dentro de si mesma.
Mas ela só quer liberdade. A
liberdade de poder respirar
sem o medo de sentir-se apedrejada
pela sociedade (sociopatas).
O Rio de Janeiro não
é o Brasil. A Vila Cruzeiro e o
Morro do Alemão (cada
nome) não são a cara do nosso
povo. O Rio quer ter suas
águas limpas. Quer extirpar a
sujeira da canalhice e da matança
que prepondera há décadas.
Como há séculos, Capitu
luta por sua inocência.
Mas quem são os inocentes?
Dom Casmurro, Capitu ou o
Rio de Janeiro? Quem são os
culpados? Dom Casmurro, por
seu ciúme doentio e imaginário?
Capitu, linda, olhos de cigana
oblíqua e dissimulada,
cabelos grossos feitos em
duas tranças? Ou o Rio de
Janeiro, inundado de pó até o
Redentor? Julgue-os. O veredicto
final é nosso. Até que
provem o contrário.
Espanta-me como virou
virtude ser honesto. Pura babaquice,
tragédia do nosso
povo, da nossa mentalidade.
O sujeito faz uma boa ação,
invade o Morro do Alemão
(que de nome próprio não
tem nada pra merecer letra
maiúscula) e o povo diz:
“Nossa, que bênção, que honestidade,
essa sim é a polícia”.
É OBRIGAÇÃO DO
ESTADO, DO PAÍS, LIMPAR
A IMUNDICE. O Rio
nos traía com sua beleza de
manequim. Capitu é ambígua.
DOM CASMURRO
FOI TRAÍDO?! O país foi
traído todos os dias por si
próprio. Vejo-me como
Dom Casmurro. Vejo o Rio
como Capitu. Olho para o
Exército, para o Bope, para
a polícia e sinto uma felicidade
que confunde-se com
versões dúbias da nossa
pobreza mental de revolucionar.
Vejo-os como a salvação
da honra de Dom
Casmurro. A salvação do
ceticismo do país.
Machado de Assis deve
achar que estou louco. Confundindo
os livros, a história
literária de nosso país, hoje
tão inovador da burrice, com
prisão de traficante. Esmaecendo
a comparação, o
problema é o pensamento
refém do próprio narcisismo
e de achar que somos os
melhores, que tudo será resolvido.
Machado escreveu
uma história que perpetua o
nosso momento atual: todos
somos céticos em relação a
uma boa ação (algo) por temermos
ser politicagem.
Mas, por outro lado, acreditamos
fielmente em toda
essa ação. Afinal, sabemos
e não seremos hipócritas:
faz diferença o que nunca
nos importamos? Faz. Porque
amamos o Rio de Janeiro.
Porque amamos o Brasil.
Porque amamos Capitu,
mesmo traídos pela nossa rudimentar imaginação.

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