Publicado  sexta-feira, 11 de março de 2011

SAMBA SEM VIDA

Barulho.Sensação de inquietação do tímpano.Procuro algo dentro do quarto,que possa me servir de silêncio.Lá fora,a cachorra late,lembrando uma batucada aquém da ressaca:bateria de samba. Olho para os lados,a janela fechada,a cortina idem. O Sol mal entra pela brecha deixada pelo fumê.O relógio mostra dez horas da manhã.Ontem começou o carnaval. Mas porque começou?
Quando dizem que a válvula de escape para o Rio de Janeiro,são as batucadas das escolas de samba, depois dos deslizamentos de terra e da morte de centenas de pessoas na região serrana,como deve chegar essa alegria carioca,no ouvido de uma mãe órfã de filho,ou de um filho órfão de pai?Como o samba da mulata invade os olhos cheios de dor,de um pai que perdeu uma família inteira? O dinheiro do carnaval do Rio, ao menos o arrecadado,deveria ser destinado para estas pessoas. Cultura? Cultura agora,é ajudar.Ou deveria. O enredo do ano seguinte,das escolas de samba,é escolhido já nos meses seguintes aos dias de festa,não havendo a possibilidade de interromper o que já está idealizado,como carros alegóricos e fantasias. Mas há como programar ajuda. Disfarçar os acontecimentos trágicos em um sorriso paralisado por quilos de brilho,silicone,maquiagem,músculo,clareamentos dentais,é no mínimo desleixo com seu povo. O Rio de Janeiro não é nenhum Haiti,Líbia ou Etiópia,onde a morte,a tristeza e a hecatombe da vida,são o enredo diário,são normais assim como a  luz do dia. A cidade maravilhosa,deveria ser maravilhosa além da beleza. Olhar para o seu povo em um dos momentos mais trágicos de sua história,seria a honraria mais óbvia,perante a dor de centenas de famílias. Este ano,de 2011,o carnaval para o Rio de Janeiro,não passa de um cemitério de vivos,balançando a bunda ao invés do cérebro,para enaltecer seus cidadãos. Brincarão de transar,e ao mesmo tempo que espero eu,deveriam proteger os desabrigados,devem ao menos,proteger o bingulim,na hora do sexo. Este não ficará desabrigado,mesmo sofrendo terremotos.
O carnaval tem a sua origem a partir da implantação da Semana Santa pela Igreja Católica antecedida de 40 dias de jejum,a Quaresma. O carnaval da Antiguidade era marcado por grandes festas, onde se comia, bebia e participava-se de alegres celebrações e busca incessante dos prazeres. O Carnaval prolongava-se por sete dias nas ruas, praças e casas da Antiga Roma, de 17 a 23 de dezembro. Todas as atividades e negócios eram suspensos neste período, os escravos ganhavam liberdade temporária para fazer o que quisessem e as restrições morais eram relaxadas. As pessoas trocavam presentes, um rei era eleito por brincadeira e comandava o cortejo pelas ruas e as tradicionais fitas de lã que amarravam aos pés da estátua do deus Saturno, eram retiradas, como se a cidade o convidasse para participar da folia.
No período do Renascimento as festas que aconteciam nos dias de carnaval incorporaram os bailes de máscaras, com suas ricas fantasias e os carros alegóricos.
Mas veja como são as tradições banais: Os escravos eram soltos e hoje,nós,verdadeiros escravos, estamos presos e limitados pela incompetência de reconhecer,que antes de um prazer,vem a moral social. Se antes,a folia era suspensa,para um período Santo começar,então pela delicadeza monstruosa de se fazer um carnaval neste momento,prefiro a Semana Santa em março,e o carnaval em abril.Abril fechado.
Gostaria muito,de quando acordar novamente,olhar para a janela e ver que o mesmo Sol que brilhou para mim,brilhe para todos os sobreviventes e órfãos de família,da tragédia do Rio de Janeiro. Diga sim à solidariedade,e silêncio, ao samba carioca.
Não há motivo para se dar nota 10 à ninguém.

Phelippe Duarte

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